terça-feira, 31 de maio de 2011

Desprezo e orgulho


          
       É muito mais fácil elaborarmos a perda de algo que não possui valor. Os mecanismos do nosso (in)consciente são realmente ativos e eficazes nas tentativas de nos privar das conseqüências advindas de perdas e danos.
            Somos exímios em desmerecer pessoas, coisas e situações. Por quê? Simples. Uma das grandes barreiras que se interpõem entre o trabalhar de Deus em nós e os frutos do Espírito manifestos na comunhão é o ‘orgulho’. E como reconheço em mim mesma um instinto pronto em defender minhas razões e colocações próprias, passando por cima de tudo e todos, quando sinto meu orgulho atacado. Quando nos sentimos ameaçados ou diminuídos algo em nós faz um movimento instantâneo no sentido de auto-defesa e justificação buscando tornar público e notório o ‘valor’ que possuímos.

“Um pouco de desprezo economiza bastante ódio.” (Jules Renard)

            Já que o ódio é condenável à luz de Deus e diante dos homens, escolhemos desprezar. Desprezando situações e nos convencendo de que há várias razões plausíveis que nos levem a não valorizar atos que nos foram ruins, mostra a dificuldade humana em reconhecer os golpes que recebe e se deixar ver frágil e suscetível frente ao próximo. Buscamos aprovação e reconhecimento, reforçamento de quem nos cerca; e quando vem a crítica e repulsa, nos vestimos com a couraça de ‘crentes que não se deixam atingir’. A raiz de amargura e de ofensa fica bem escondidinha, debaixo da terra mesmo... tão grande quanto não se pode dimensionar e sugando cada vez mais a alma de quem a negligencia. Dizer que está tudo bem apenas por dizer ou maquiar situações com palavras me remonta à imagem do sepulcro. O mármore, grama, estátuas e flores mascaram a putrefação, o motivo real do túmulo – esconder e conter a feiúra e podridão da decomposição.
            E uma ‘boa’ forma (ao menos na perspectiva da natureza podre e caída do homem) de fazer saltar aos olhos o nosso valor é procurar diminuir o brilho dos ‘valores’ que nos cercam. Algo realmente contrário à realidade do modelo de Cristo. Nos esforçamos muito pra manter uma imagem e uma idéia de valoração e inatingibilidade, chegando ao ponto de conseguir fazer com que as Escrituras nos respaldem e nos digam que estamos certos. Isso porque a interpretação da Bíblia é sempre atravessada pelo desejo e distorções pessoais; daí a necessidade de um estudo e aprofundamento em conjunto com o corpo e, acima de tudo, com a revelação e discernimento vindos do Espírito. 
            O preceito bíblico é “Ame o próximo como a ti mesmo” mesmo dentro de uma sociedade competitiva onde cada um procura sempre se superar frente aos outros. O que temos feito é super valorizado a nós mesmos e diminuído o próximo.
            Ao não levar em conta, não fazer caso, desconsiderar, recusar ou abandonar demonstramos a inversão humana, a atração pela destruição. Num âmbito mais amplo, a inversão se manifesta através de valores e estilos de vida invertidos. Por que tantos chamados a desacelerar na busca pelos próprios interesses, parar pra olhar pra Deus e então perceber o outro como próximo? Por que tantas exortações acerca da necessidade de andar juntos em amor e viver como o Corpo proposto por Jesus? Porque temos vivido de forma invertida e contrária à palavra de Deus e ainda sim nos achando certos e ‘dignos de alguma condecoração’ por sermos bons cristãos!

“O Senhor é bom e tem satisfação em acalantar, Ele é descrito nas escrituras, por exemplo, como El Shaddai, o DEUS que é suficiente para suprir todas as necessidades dos seus. “Shaddai” no hebraico tem raiz na idéia/palavra peito e transmite justamente a idéia de acalantar. Ele nunca exclui, mesmo quando teve pedagogicamente que “desprezar”, por exemplo Caim, como errante em Gênesis 4, quando a presença amorosa de Deus, o seguiu e o protegeu” (Pellegrini, 2008).

            O padrão de Deus é a aceitação. Cristo nos amou primeiro, estando nós ainda numa forma que só trazia separação entre nós e Sua santidade. O próprio Deus ‘desviou o rosto’ de Jesus quando, na cruz, todo o nosso pecado esteve sobre Ele. (interpretação para a exclamação de Jesus: E, à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Mc 15:34 - Jesus, naquele momento, não mais sentiu a presença e proximidade de Deus, sempre tão reais em toda a sua estadia nessa terra). 

            Hora de assumir nosso erro, procurar o retorno ao caminho correto, sofrer as perdas e danos necessários, e, prosseguir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário